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Karl Polanyi e a artificialidade da relação social de mercado



Resenha: A grande Transformação, cap. III a X. POLANYI, K. Ana Paula Salviatti

Normalmente nos cursos que ofereço no primeiro encontro busco colocar nossa sociedade como objeto de análises. Dentro do conjunto de ferramentas que lanço mão para poder construir um anteparo de observação está o texto A grande transformação de Karl Polanyi, do qual faço uma breve resenha do terceiro capítulo.


Como o mês de outubro se aproxima achei interessante trazer uma breve resenha de um dos autores que utilizo para o primeiro encontro. Teremos uma edição 100% on line do curso Negacionismo Ambiental no cpf sesc. Não é bem um curso, mas uma roda de conversas na qual - junto de vocês - buscarei construir algumas articulações sobre o que leva nossa sociedade a negar tão veementemente a destruição das condições mínimas da nossa vida. Assim, trago o trabalho de Karl Polanyi.


Nosso autor conclui em seu trabalho que a nossa forma de relação social é marcada pela necessidade de contínua imposição de seus limites, normas e costumes, logo, não pode ser considerada uma forma social espontânea, pelo contrário.

Para que a sociedade seja organizada do modo como a conhecemos é necessária a vigília contínua de seus valores e funcionamentos. Para Polanyi, o papel da institucionalidade é central para que naturalizemos a propriedade privada como forma de relação social valida.


Outros autores destacaram a necessidade de vigilância constante dos valores e das normas para a coesão dessa forma social. De cara, cito Deleuze e Guatarri que apontam a função de axiomatizar os fluxos desviantes feita pelo Estado sobre toda expressão que fuja da forma padrão engendrada¹.


Também autores de outras tradições como Maurice Dobb², Erick Hobsbawm³, cada qual a sua maneira, estão tentando compreender o momento anterior a instalação do modo de produção capitalista, as suas motivações e o processo de transição e consolidação do capitalismo.


Para Dobb, seu recorte se encontra na transição do modo de produção feudal para o feudal, para Hobsbawm, suas atenções se encontram sobre o processo de desenvolvimento da indústria e, por último, mas não menos importante, Polanyi tenta compreender o funcionamento de uma sociedade que se volta para um sistema de mercado e por esse motivo trago ele aqui.


Karl Polanyi utiliza-se de um referencial teórico histórico, econômico e antropológico na construção de sua tese sobre os motivos centrais que estiveram por detrás da formação do capitalismo.

Para Polanyi, somente graças ao aparato de um Estado organizado em benefício do arranjo capitalista, desde seus primeiros indícios, ainda com a dinastia Tudors, balizando a ação dos cercamentos e a aplicação de leis contra vagabundagem, como na contínua imposição do sistema de trocas, que é possível falarmos de sistema capitalista.


O papel seminal do Estado foi e continuamente é vital para o estabelecimento do capitalismo. Do contrário, não havendo um aparato institucional para conseguir administrar tamanha violência, esse novo paradigma, segundo nosso autor, não teria se instalado. Ou seja, para Polanyi a chave está no mecanismo institucional.

 

Um mecanismo institucional completamente novo capaz de desestruturar a sociedade ocidental foi o mercado, ou melhor dizendo, a economia de mercado. Polanyi irá desdobrar a idéia de que a economia é um processo que esteve sempre contido na trajetória das diversas formações sociais, tanto ao longo da história, quanto nos mais diferentes lugares.


Partindo da premissa de que o homem é um ser social e que ao longo da história desenvolveu as mais diversas formas de reprodução social, este sempre conviveu com formas variadas de economia. Entretanto, a economia era tida como parte de um conjunto maior, ela não ditava o sentido das sociedades.


Exemplo ocidental clássico era a importância do tema e a organização da economia para os cidadãos atenienses. A economia era assunto da esfera doméstica e a responsabilidade por sua operacionalização recaia sobre aqueles que não compunham o estreito grupo de cidadãos. O assunto social, o assunto que organizava a vida pública era a política.

Óbvio que a economia era fundamental para a reprodução da sociedade ateniense, inclusive a forma como ela era organizada era vital para que apenas alguns pudessem exercer a política na polis.


Nosso ponto é: a economia, as regras da casa, não organizava os valores daquela sociedade, muito menos era colocada como um fim em si.


Desta forma, para Polanyi, uma economia de mercado só pode existir numa sociedade que opere sobre a lógica de um sistema de mercado. Ele explica. Todas as formas de inserção social dos indivíduos dentro de um sistema de mercado devem se dar através da compra e da venda, qualquer que seja a forma de manutenção e sustento dos indivíduos ela deve passar pelo ciclo da compra e da venda, do contrário tal economia não teria como existir.


Assim, apenas se a sociedade como um todo for organizada pelo sistema de mercado é que a economia poderá ser organizada pela forma mercado. Uma economia controlada pelo mercado significa que a base da reprodução pela qual a sociedade se articula se voltará a este fim. Nas palavras de Polanyi, a sociedade será um acessório do mercado, pois nesse regime particular, ao invés da economia ser componente do conjunto de relações sociais, são as relações sociais que se apresentam como componente do mercado.


¹. Mil Platôs Volume 5.

². O Declínio do Feudalismo e o Crescimento das Cidades.

³. Da Revolução Industrial inglesa ao Imperialismo.

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