Fichamento: Alain Badiou - Duas semanas após as eleições de Trump (2018), Tufts University, Boston
- Ana Salviatti
- 29 de abr.
- 8 min de leitura
Atualizado: há 2 dias
Compartilho meu fichamento/tradução do livro ainda não publicado no Brasil: "Trump e o Fascismo Democrático", que nada mais é do que uma coletânea de falas do filósofo francês em universidades dos EUA logo após a primeira eleição do então presidente.
É livro curto, são só 39 páginas
Apresentação q toma a maior parte do livro, feita em Boston, 2 semanas após da 1º eleição Trump, retoma a distribuição de riqueza capitalista. Os 264 mais ricos do mundo ao possuírem o mesmo q 7 bilhões de pessoas nos coloca diante da maior desigualdade já vista desde o início da existência humana.
Na Acumulação primitiva, logo no início, Marx aponta como condição para a existência do capitalismo a divisão em dois polos de sujeitos livres e iguais. Em um aqueles que livres como os pássaros nada possuem, além da sua força de trabalho. No outro, livres e iguais que detêm os meios de produção
Aqui Badiou retoma essa polarização. 'É uma diferença real, que resultou em dois mundos diferentes, duas visões da vida ela mesma completamente diferentes'
Pensando ainda no debate atual sobre mutações do capitalismo "Talvez, amanhã nós não teremos mais 264 pessoas, mas talvez apenas 2 ou 3. Nós teríamos uma espécie de democracia financeira transformada em um reino financeiro"
Aqui ele entra no tema que mais me interessa atualmente: "O que é a subjetividade contemporânea/sujeito contemporâneo. O que é o ser humano hoje? Quais são as possíveis escolhas para o sujeito contemporâneo?"
Ele elenca 3 possibilidades: "Ser dono, proprietário de terras, um capitalista Trabalhador e consumidor Pobre, miserável Refugiados -Nem consumidor, nem empregado, nem miserável, ou capitalista. Provavelmente 3 bilhões de pessoas vivem hj nessa situação-"
Ele apresenta que a subjetividade contemporânea está entre dois mercados, o mercado de trabalho, de empregos e o mercado de produtos. A possibilidade de ser empregado é também a de ser consumidor, ou seja, vender seu trabalho para comprar mercadorias.
"O que constitui isso como um mundo, é de fato o dinheiro. É a circulação de dinheiro a real definição desse mundo"
Desse ponto fundamental ele deriva sua hipótese: 'É o maior desafio compreender pq, de um lado, temos tantas pessoas vagando pelo mundo em busca de empregos, e de outro lado, longas jornadas de trabalho para todas as pessoas q tem empregos'

Aqui o texto fica interessante ele diz: "Provavelmente, o próprio capitalismo a esse ponto não seja capaz de prover trabalhos à totalidade da população mundial. O que nós temos aqui é uma espécie de limite da possibilidade capitalista. O Capitalismo é incapaz de produzir trabalhos para todos pq, como vcs sabem, capitalistas oferecem trabalho para as pessoas apenas se eles tem a expectativa de obter lucros. Então, talvez, o ponto mais importante no mundo hoje seja essa enorme massa de pessoas vagando pelo mundo em busca de um lugar para viver que não pode ser forçada sob o domínio do capitalismo globalizado."
"Em outras palavras, da perspectiva do próprio capitalismo globalizado, nós temos hoje um excesso de humanidade, um excesso de pessoas sem destinação alguma, sem nenhuma razão de existir." -Aqui nada de novo sob o Sol, o Malthusianismo e o Neomalthusianismo mandam lembranças.
Em seguida ele retoma ponto já tratado na primeira apresentação realizada na Universidade da Califórnia, em Los Angeles, dois dias após as eleições de Trump, primeiro mandato. - "A questão da afirmação constante da existência de apenas um caminho, apenas um futuro - nomeadamente, a continuação do capitalismo globalizado".
"É bastante impressionante que hoje a natureza da propaganda não é dizer que o capitalismo é uma grande coisa: é suficiente dizer que não há outra possibilidade. De fato, é a primeira organização social quem que podemos dizer que as coisas vão muito mal; e fazer essa constatação não gera consequências". - Até aqui também seguimos a resposta dada por Perry Anderson a Fukuyama no final dos anos 1980, começo dos anos 1990.
"Na monarquia, não era permitido dizer que o rei era horrível; a estabilidade do mundo implicava que deveríamos ser a favor do mundo como ele fosse. Essa subjetividade é realmente a subjetividade da fé no mundo como ele é. Esse não é o caso do capitalismo. No capitalismo, é suficiente dizer que nada mais é possível. Essa foi a a posição de Churchill quando ele disse isso não é um bom sistema, mas é melhor que temos - a melhor com a possibilidade de ainda ser muito ruim. "
É um mundo muito diferente do mundo de antigamente, pq outra forma, outro caminho existiu entre 1917 e o começo dos anos 1980. Existiram duas possibilidades, e a grande vitória do capitalismo foi suprimir a existência dessas duas possibilidades. A vitória ideológica é muito mais importante: essa é a vitória da convicção do "ok, o capitalismo não é bom, a desigualdade é horrível, and so on, mas não existe outra possibilidade".
Estamos, de certo modo, em um consenso negativo, não em um entusiasmo geral pelo capitalismo, mas o capitalismo não demanda essa espécie de coisas. -Agora me lembrei da postagem feita por Phillip Bump, colunista do WP, ao comentar sobre a irracionalidade das respostas dos representantes do governo Trump, o atual, ele comentou "It's not just thats this answer is stupid or even that Trump's team isn't smart. It's thatthey don'thave to be."

Esse consenso é a negativa ideia que nada mais é possível, e, portanto, apenas algumas transformações pontuais são possíveis, mas o sistema não pode ser mudado. Tudo isso compõe a visão geral de mundo, e em certo sentido Trump é um sintoma.
Aqui, Badiou seguirá na linha de autores como Adam Przeworski ao dizer que a democracia é o sistema que político em que o que está em jogo não pode ser radical, do contrário, rompe-se a aliança democrática entre as duas tendências, dois partidos. Para existir uma organização democrática é condição existirem, então, duas diferentes tendências, ao menos. Contudo, retomando o argumento do item anterior, se vc só tem uma única tendência, não se tem um sistema democrático, posto que não há escolha.
A essência do sistema democrático é representar a contradição de tendências sem aceitar a possibilidade de uma guerra civil. Isso apenas é possível se existir um terreno comum de opinião, um horizonte comum partilhado entre os sujeitos, em que uma unidade formal de representação global é compartilhada, uma ideologia comum: o capitalismo globalizado.
"É claro, que essa cumplicidade entre dois partidos, que são chave para a existência do estado, é criticada por muitos grupos. (...) Nós temos algo com a possibilidade permanente de existir algo como a esquerda da esquerda e algo como a direita da direita. (...) O limite dessa representação estendida à esquerda são os comunistas e do outro lado são os fascistas. Comunistas e fascistas estão fora do sistema de representação pq eles constituem os limites da tensão entre as duas polaridades fundamentais; mas ao mesmo tempo, eles sempre tem pontos de intersecção com a elite global. Por exemplo, o partido comunista francês teve representantes na Assembleia Nacional e em 1981, eles entraram governo. E, depois disso, eles praticamente morreram, pq para estar no governo era um um fato contraditório a sua própria existência. Do outro lado, o mesmo aconteceu com o fascismo. Fascismo é fora da representação normal da democracia, mas às vezes o fascismo está também dentro do governo e pode assumir o poder. Isso aconteceu no caso da Alemanha pouco antes da Segunda Guerra Mundial, por exemplo".
Democratas e Republicanos são contradições necessariamente fracas. "Entre fascismo e comunismo nós temos uma verdadeira contradição, uma contradição sem nenhuma possibilidade de reconciliação. E no centro do estado nós temos uma contradição fraca que dominada pela ideia comum de que a estrutura global não pode ser alterada [democracia burguesa/democracia liberal]".
"Esse sistema, (...)não pode existir quando a tensão entre as duas polaridades se torna muito forte, pq, se a tensão externa dos dois lados é realmente forte, é muito difícil para manter a cumplicidade entre os dois partidos centrais. E eu penso que nós podemos ver sintomas de que algo assim esteja acontecendo hoje, de fato, globalmente, capitalismo não pode realmente satisfazer todos os interesses envolvidos na situação global. E então, oque acontece? O que acontece é que muitas pessoas estão dizendo que a esquerda oficial é fraca comparada a direita. E de outro lado, muitas pessoas estão dizendo que a representação dos interesses dos republicanos, ou da direita é muito fraca. E então, tudo isso cria a possibilidade de uma disjunção do próprio estado."
"Trump está na intersecção entre a representação oficial e o que excede isso. Ele está no partido republicano, mas também representa algo fora dele: sexíssimo, racismo, tendências fascistas." - Aqui ele retoma ponto apresentado na primeira fala sobre Bernie Sander representar a verdadeira contradição a Trump, enquanto Hillary representava o clássico e antigo partido democrata com sua elite o capitalismo global. "E na minha opinião, esse é o motivo pelo qual, no final do dia Trump ganhou: ele era o lado da verdadeira contradição. (...) A verdadeira razão para o seu sucesso foi a falta de simetria entre a contradição dele e Hillary. [num momento em que] o próprio sistema está em crise."
Ele segue apresentando três formas de funcionamento do sistema democrático sendo o primeiro aquele em que a elite da esquerda e a elite da direita conseguem manter o nível de contradições à mesa dentro de um nível de cumplicidade aceitável, mantendo a unidade do estado. A segunda forma é aquela as contradições não se dão dentro do nível da normalidade. Aí ele sita o caso da França em que a esquerda "está praticamente morta, então, tudo é decidido dentro da direita. Mas se as decisões são feiras dentro da direita, o sistema não está normal: ele está em crise". A terceira forma de funcionamento é quando a crise é tão forte que você tem um conflito real entre as duas tendências.
"E finalmente aparece o sintoma: na França, o grande sintoma é que as pessoas não conseguem distinguir praticamente entre a direita e a esquerda, (...) O sintoma de uma crise é o surgimento de pessoas estranhas que são muito difíceis de compreender: eles são políticos, mas em certo sentido eles são como novos gangsteres. (...) Todos esses caras não são políticos da elite política. Eles estão vindo de fora. (...) E eu penso que a crise é o resultado da situação global do capitalismo, da incapacidade do capitalismo global em resolver problemas de todas as pessoas existentes em nossos países. (...) a existências de bilhões de refugiados."
Ele coloca em 4 termos o que ele chama de crise hoje:
A brutalidade e a cegueira diante da violência do capitalismo contemporâneo, o retorno ao capitalismo do século XIX. Leiam Dickens! [um conto entre duas cidades]. Nós estamos retornando a novas formas dos tempos Dickensianoso.
A decomposição da política de elite [traço comum a Przeworski e Rancière] - de toda essa história surge a possibilidade de um novo fascismo, um resultado muito sombrio.
A frustração popular frente a tudo isso, o sentimento de uma desordem obscura, a sensação de que as coisas não podem continuar da mesma forma, mas o capitalismo não pode continuar, mas, então, ele continua
A falta de outras formas estratégicas
Então podemos dizer: no nível global nós temos a passagem de dois caminhos estratégicos - a contradição de capitalismo e comunismo - para outro - o capitalismo globalizado como único caminho estratégico - (...)A possibilidade de uma nova forma de fascismo é realmente presente. E a falta, a terrível falta, é a falta de algo do outro lado.
Continua, - item III.
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